21 de agosto de 2011

A Megera Domada e a Condição da Mulher

Algumas semanas atrás li o livro de Shakespeare "A Megera Domada". É um livro interessante. Mostra perfeitamente a mentalidade machista da época de Shakespeare. Devo dizer que não gostei. Tudo bem, é engraçado, as situações, as falas das personagens. E é absolutamente filho da sua época. A trama é simples, um homem que tem duas filhas, uma das quais é muito rebelde, e quer casá-las, mas que, como só recebe propostas para sua caçula, a "meiga", põe a condição de casar primeiro a rebelde Catarina, para assim sua caçula ter o direito de casar. Assim, os aspirantes à mão de Bianca, a caçula, procuram um homem disposto a casar com Catarina. Ai chega Petrucchio, um homem que procura um casamento que lhe proporcione uma bela dote. Ele aceita o desafio de domar Catarina, casa com ela depois de acordar a dote que receberá e começa a domar sua mulher, deixando-a com fome, frio e sem sono, até que ela se rende e passa a ser totalmente submissa à vontade de seu marido. Enquanto isso os pretendentes de Bianca arrumam jeitos de se aproximar dela, até que um deles consegue conquistá-la, e foge com ela para casar-se, enquanto o outro aceita a derrota e vai atrás de uma viúva com condições econômicas para casar com ela. 
Há vários aspectos da obra que mostram a condição da mulher nessa época. O primeiro é a condição da mulher de objeto, propriedade, primeiro de seu pai, e depois de uma transação comercial, de seu marido. A obra mostra isto claramente quando o pai das moças, Batista, impõe a condição para o casamento das suas filhas. Também é notável que o único motivo pelo qual Petrucchio quer casar com Catarina é o dinheiro que vai ganhar com o casamento. Não se fala de amor, não se fala de sentimento algum, além da ganancia. Ela foi vendida pelo pai e comprada por Petrucchio. 
Outro aspecto é o caráter das moças. Catarina é chamada de megera por ter as próprias opiniões. Ela também é grossa com as pessoas, sobretudo os homens, e rejeita o casamento. Nessa época, porém, era imprescindível para a mulher que casasse, e por isso ela é considerada uma moça horrível. Bianca, pelo contrário, faz tudo o que o pai ordena, é educada com todos e segue as opiniões dos outros. Pode-se dizer que há um exagero no contraste entre as duas. A educada, doce, dócil, atenta ao bem de todo mundo menos o dela. A megera, rebelde, mal-educada, grossa, que se atreve a bater no professor e a caçoar dos que a cortejam. Assim, na época de Shakespeare a mulher desejável era aquela que vivia para o seu dono, primeiro seu pai, depois seu marido.
O tratamento que Catarina recebe depois do casamento é atualmente ilegal. Mas no livro é a coisa mais normal. Nessa época, sendo o homem dono da sua mulher, podia fazer com ela o que bem entendesse. Assim, Catarina passa fome, frio, o marido se comporta como um louco, não a deixa dormir, não a respeita, até que ela se submete a ele. E é uma submissão completa. Ela deixa de ser pessoa, e passa a ser sombra do seu dono-marido. E se ele diz que está escuro, mesmo vendo o sol brilhando no céu, ela deve concordar. Se ele trata um ancião como se fosse uma bela moça, ela deve secundá-lo, sob pena de novos maus tratos e loucuras por parte do marido. E quando ela se submete, Petrucchio é felicitado por todos, já que "domou a megera!". Ele merece um premio por fazer da sua mulher um robô às ordens dele. 
Não gostaria de ter nascido na época de Shakespeare. Mas a mulher não foi tratada assim só nessa época. Desde há muito tempo, desde os tempos bíblicos, e quem sabe quanto tempo antes, a mulher foi tratada como um ser inferior, um objeto, alguém submetido ao todo-poderoso homem. Mesmo na atualidade há sociedades onde a mulher é tratada assim, onde ela é inferior. O Islã legitima isso, a mulher é, por ordem divina, um degrau inferior ao homem. E até pouco tempo atrás, na nossa sociedade a mulher era criada para casar, ter um monte de filhos e se submeter a todas as vontades do marido, sem direito a reclamar pelas humilhações que o marido pudesse lhe fazer sofrer. Se ele tinha muitas amantes, ela não podia dizer nada, pois afinal os homens são assim, "têm necessidades especiais". Se ele pegava ela pelos cabelos e a arrastava pelo chão, ela não podia reclamar, afinal essa era a "sua cruz" e ela, como boa cristã, devia carregá-la.
A obra de Shakespeare é uma janela ao pensamento da época dele sobre a mulher. Mas, lido com os olhos da minha atualidade, é um livro indignante. Queria dizer que é um pensamento ultrapassado, que agora a mulher é tratada dignamente, que agora ela tem direito a pensar, a decidir se quer casar ou não, ter filhos ou não, que ela pode ter personalidade. Queria dizer que o casamento agora é uma comunhão igualitária, onde os dois estão no mesmo nível e as coisas se falam para chegar a um ponto comum. Mas ainda falta muito. Sobretudo em Latino-América, onde a sociedade é tradicionalmente machista, onde ainda há a imagem da mulher como objeto, símbolo sexual, simples portadora de seios e nádegas, objeto não pensante, alguém que só serve para ser dona de casa, para servir o marido, para aguentar os chifres, onde ainda há muitas mulheres maltratadas que não denunciam seus maridos, ainda falta muito para deixar para trás uma obra como "A Megera Domada". É algo triste. Eu conheço as histórias de minhas avós, minhas bisavós, a avó do meu marido, histórias de submissão, de violência, de dor e de silêncio. E quando alguém sai do padrão, como minha avó, que teve a coragem de lutar pela sua dignidade, então ela é que é a louca, aquela que teve que criar sozinha os filhos, aquela que jogou o casamento pela janela. Idem com minha sogra. E o preconceito é sempre sofrido pela mulher, mesmo quando o homem está errado, mesmo quando ela simplesmente não quis se submeter. Ela é sempre a megera. A rebelde, a grossa, a chata.
A sociedade foi, durante muito tempo, um lugar de privilégios exclusivos para os homens. Imagino que ao longo dos séculos houve muitas "megeras" que não se deixaram domar. Mas no geral o homem estava certo e a mulher devia ser simples sombra do seu homem. Agora há um espaço para as mulheres. Ainda falta muito, como já disse, para uma sociedade justa e sem preconceitos, mas pelo menos agora as mulheres podemos escolher o destino das nossas vidas. E casamento não é mais, pelo menos na maior parte dos casos, uma transação comercial, nem uma relação de dominação. Muitos, ao ler isto, pensarão que eu sou feminista. Mas não me vejo como tal. Não detesto os homens, nem os desprezo. Mas também não me conformo com o machismo existente na sociedade. Eu queria era igualdade. Sem predominância de um ou outro gênero. Mas, como tudo na vida, para a mulher chegar a um ponto de igualdade com o agora não tão poderoso homem, ela deve lutar. Como tem lutado há tanto tempo. Catarina nesta época teria um fim bem mais digno do que o que Shakespeare lhe deu. E Batista e Petrucchio poderiam, com toda a razão e com todo o gosto, ser mandados ao inferno (ou a catar coquinho, ou a comer aspáragos, como se diz na Colômbia)...

8 de agosto de 2011

De Preconceitos, Estereótipos e Hipocrisia

Preconceito é algo que muitos sofrem, mesmo que não sejam homossexuais, negros ou membros de minorias. Na sociedade as pessoas são frequentemente estereotipadas, e aquele que sai do padrão é objeto de preconceito. Eu quero falar aqui de certo tipo de pessoas que sofrem de bastante preconceito, que são bastante estereotipadas, mesmo que não se fale do assunto nos jornais. É conhecido que os "crentes", os "evangélicos", são um grupo bastante estereotipado. Para o resto do mundo, crente é aquele que não bebe, não fuma, não dança, usa cabelo comprido, não se maquia (dependendo da denominação), só sabe falar de Jesus e é alguém que se deixa manipular. Eu não concordo com este estereótipo. Para mim cada cristão é livre de pensar e de agir, de vestir como quer, dançar se ele gostar, fumar se quer morrer cedo, enfim, não há um caixão onde enfiar todos os crentes.
Mas o que me interessa aqui é falar dos líderes, e sobretudo, as esposas destes líderes. Dentro da igreja se tem a ideia de que esposa de pastor é uma espécie de sombra do pastor, que fica atrás dele, trabalhando junto com ele em todas as atividades que existam. A mulher do pastor não pode vestir de certa forma, não pode fazer isto ou aquilo, e os filhos não podem ir a certos lugares, não podem ser isto ou aquilo, e devem fazer isto ou aquilo outro. Como se fossem uma família de alienígenas, que devem ser diferentes do resto da comunidade só porque são o líder e a sua família. Isto se aplica, em maior ou menor medida (depende da igreja), também às famílias dos ministros de música e de quem for líder da igreja. E assim, existe um estereótipo de mulher de pastor perfeita, de filhos de pastor perfeitos, de líderes perfeitos. E se esquece que as pessoas têm direito cada uma à sua individualidade, que as pessoas não se casam com uma pessoa pela sua profissão e sim pelo seu caráter, que cada indivíduo tem o direito de procurar a sua felicidade e pôr em prática suas habilidades, que ninguém pode regulamentar as vestes ou o modo de pensar de alguém só por ser casado ou ser filho do líder.
E quem quer sair do estereótipo sofre preconceito. É alvo de críticas, é rejeitado, pressionado a assumir o padrão predeterminado. Isso sob ameaça do líder "perder seu cargo" (Não que se fale isso na cara da pessoa, mas o que se subentende é que "isso atrapalha o ministério...")! Quem disse que mulher de pastor é a sombra do pastor? Quem disse que mulher de pastor, que filhos do pastor não têm vida própria? Acaso os filhos do pastor nasceram com auréola na cabeça só pela profissão do pai? São descendentes de anjos ou algo assim? E a mulher de pastor deixou de ter personalidade, opiniões próprias, desejos de realização pessoal, gostos, afinidades, só porque o marido é pastor? A cobrança que a igreja faz sobre a família dos líderes é irracional, é injusta, porque o que se exige dos outros, o que se exige deles não é realizado por aqueles que exigem. A família do pastor tem que estar enfiada na igreja, tem que fazer tudo, estar sempre lá, enquanto eu não posso, estou cansado, trabalho, tenho que sair... assim é bem fácil!
Desse preconceito ninguém fala, e quem o sofre só tem duas alternativas: ou se submete ou se rebela. Quantos filhos de pastor revoltados com a igreja não há por ai? Mas se se rebelam, sofrem mais ainda o preconceito, são duplamente mal falados, são alvo de mais julgamentos. E o pior é que geralmente ninguém se dispõe a se importar com a pessoa, a perguntar como está indo a vida dela. Para o resto do grupo, a família do pastor não é composta de pessoas, mas de papéis a ser desempenhados. 
E eu me pergunto, no meio de tudo isso, onde fica o amor cristão? Onde fica o "não julgueis para não ser julgados" e o "cuidado com a língua"? As igrejas em geral sofrem de uma doença crônica de hipocrisia e de fofocas, parece que as pessoas se acham santas por não roubar, não matar, ir à igreja todo domingo, e isso lhes dá a liberdade de falar mal dos outros, de aqueles que depois vão chamar de irmãos. E quando se trata da família dos líderes, ai é que as línguas se afiam! Ai é que as máscaras se fazem universais, e os dedos mais prontos para apontar "falhas" e "defeitos". Que vestiu ou deixou de vestir, fez ou deixou de fazer, que o filho do pastor não pode ir na tal festa, que a esposa de pastor não pode vestir shortinho. E biquíni então, vira veste do capeta! E o amor de Deus, tudo o que Jesus pregou, até as músicas que se cantam, onde fica tudo isso? Como se pode cantar que somos irmãos, que somos um em Jesus, que vamos unidos em comunhão, e depois falar mal dos irmãos? Falar mal dos líderes e de suas famílias? Cadê a prática do cristianismo?
As igrejas esquecem que os líderes são pessoas iguais a elas. Que sofrem igual, têm lágrimas também, se cansam, pensam, sonham, e que as suas famílias têm sonhos, que são feitas de indivíduos. Não são uma massa grudada ao líder. Cada membro da família é único e independente. Esse negócio de que líder deve ser mais santo é uma desculpa furada. Ser humano é ser humano, não há ninguém mais perfeito ou melhor que os outros.
O estereótipo de família de pastor (e de forma mais ampla, as famílias de todos os líderes) deve desaparecer. As igrejas precisam reconhecer a individualidade dos membros da família do seu líder. Afinal, os filhos do pastor não escolheram os pais, e a mulher dele não casou com a sua profissão. Se tiver vocação para ajudar na igreja bem. Se não tiver, deve se respeitar sua postura. A família dos líderes deve deixar de ser vista como os alienígenas perfeitos que se exige que sejam, e passar a ser vista como simples membros da igreja, iguais a todos os outros. Além disso, a igreja deve deixar de prestar atenção no que os irmãos fazem ou deixam de fazer. A hipocrisia está acabando com as igrejas. O pior é que a pessoa não tem tempo para dar um alô para o irmão, chama-lo para um jantar em casa, mas todas as fofocas ao respeito dele sabe de cor, e tem tempo ainda de falar mal dele com os outros. A fofoca é um problema grave, um pecado como qualquer outro. Ninguém tem o direito de falar mal dos outros, sejam líderes ou não. E se alguém tiver queixas sobre o líder, fale com ele. Não pode ficar falando pelas costas dele. Os preconceitos e os estereótipos na igreja devem cair! As famílias dos líderes devem ser liberados do peso do estereótipo, devem poder ser livres para viver sua individualidade como cristãos e como seres humanos!