28 de outubro de 2009

Adão e a humanidade

A história da criação do homem tem sido usada para muitas coisas. Tem sido usada para legitimar a suposta "superioridade" masculina (porque o homem "foi criado primeiro e a mulher depois"... claro, isto tendo em mente a segunda narrativa da criação, porque na primeira os dois são feitos ao tempo!), para legitimar o domínio do homem sobre a criação, o que lhe dá o direito de fazer qualquer besteira com a natureza... mas ninguém parou (pelo menos que eu saiba, pode ser falta de informação) para pensar no que representa Adão. Não no sentido do responsável pelo pecado da humanidade. Mas pela humanidade em si. O relato diz que todos os povos descendem de Adão. Ele, junto com sua mulher, foram os primeiros seres humanos a morar na Terra. Deles descendem todos.

Historicamente, é muito difícil conceber isto como verdade. Mas simbolicamente esta afirmação é muito importante. Todos descendemos de Adão. Cada ser humano é filho deste casal primordial. Se isto é assim, então todos somos iguais. O que significa que a "superioridade racial" é uma construção cultural, que defende o eu desprezando o outro. Por meio dela é mais nobre ser de uma determinada cor, morar em determinado pais, ter determinados costumes. Os outros são "o povinho", os inferiores, cuja cor, cultura e até pais são nada comparados com os do pessoal "nobre".

Assistindo um documentário percebi quanto há de absurdo no racismo. O documentário falava da Colômbia, meu pais, enfocando as diferentes raças e povos que nele moram. Há colombianos de gerações e séculos. Há colombianos ciganos, japoneses, alemães, árabes, que deixaram suas terras para vir se estabelecer no pais (porque, fala sério, Colômbia é tudo de bom, ne?). Eles se consideram colombianos. E não deixam suas culturas. Até ai tudo bem. Eles são de diversos povos, mas fazem parte do mesmo povo, o colombiano. Porém, começaram a falar em cores. É ridículo, em um pais resultado da colonização e migração de europeus, mistura de indígenas, negros e brancos, ver como pessoas morenas afirmam que são brancas, ainda se atrevendo a afirmar que "branco é a cor nobre". Se corrigindo depois, para não parecer racistas, dizendo que "negrito" também é nobre. Colombiano é um só povo, não importa a cor da pele. Ser humano é um, apesar das diferenças.

O racismo está tecido no DNA da cultura. Está no fundo do coração de muitos que não se consideram racistas. É uma praga que se misturou nos gens há muitos séculos, desde quando foi legitimada pela religião. Aquele velho papo de "Canaã era negro, ele foi amaldiçoado, os negros descendem dele". Quando foi que o europeu começou a se considerar superior, não sei, mas já na Bíblia temos relatos racistas, como quando o Esdras e o Neemias, judeus superiores, expulsam as mulheres moabitas, raça inferior. Os cristãos adotam até hoje estes textos para legitimar sua "exclusividade", como se fossem favoritos de Deus. Os povos, mesmo provenientes de misturas êtnicas, insistem em se separar do resto da humanidade, do resto dos seus próprios conterrâneos, e se declarar superiores. São muitos os exemplos de racismo que vemos nos filmes americanos. As brigas de gangues mexicanas com chinesas, negros com blancos, e toda a humanidade que mora num mesmo pais se destroi, um contra outro, por questões de "raça". O seriado "Todo mundo odeia o Chris" é muito engraçado. E ao mesmo tempo mostra como o racismo está na sociedade, como marginaliza as pessoas, classificando-as por sua cor ou proveniência. O Chris é um drogado, orfão, cheio de irmãos e sei lá mais o que na cabeça da sua professora, só pela cor da sua pele. Ele não tem direito ao ensino superior por ser negro. A professora não tem muitas esperanças de que ele passe dos 17 sem ter filhos ou morrer. E nem a polícia se preocupa quando ele ou sua família sofrem abusos ou perdas. Afinal, eles são simplesmente negros.

Isso é nos Estados Unidos, na Colômbia. E também no Brasil. O passado comum de todos nós, negro e vergonhoso, é a escravidão, que pôs os nativos deste continente, e aqueles que foram arrancados da sua mãe África, sob um jugo pesado que ainda não caiu. Não era só o trabalho forçado, era o rebaixamento. Eles não eram humanos, eram simples animais. Índios e negros não valiam grande coisa, só como bestas de carga e trabalho. Pode ser que agora não haja mais escravidão, mas este rebaixamento na sociedade continua. E o pior é que as próprias etnias se rebaixam. Muitos se sintem inferiores, ou são, por sua vez, racistas contra os "branquelos". E assim a herança de ódio e ressentimento, de separação entre a humanidade continua, se perpetua nas palavras, nas tradições, nas guerras.

Mas Deus no início fez o homem e a mulher. Fez um de cada, um que representa a humanidade. Adão não tinha raça. Ele era humano, e isso bastava. Ele, para mim, simboliza a humanidade unida. Tenha ou não existido históricamente, o que ele representa é algo para ser refletido, algo para ser divulgado. Muitos estão morrendo pelo racismo. Racismo que não é expresso mandando os negros ao fundo o ônibus, como antigamente, mas que ainda existe nos corações e nos pensamentos das pessoas, mesmo sem elas perceberem.

Só quando aceitemos que somos um, e que não há diferenças entre uma pessoa e outra, só quando aceitemos que somos todos parte do mesmo povo, que fazemos parte do mesmo tipo de ser, aquele que é capaz de criar e de destruir coisas, de construir edifícios e desenvolver tecnologias, enfim, que somos todos seres humanos, vamos conseguir ter paz.

Adão é um símbolo, um exemplo do que deveriamos ser. Um.

19 de outubro de 2009

Mundo tóxico

O planeta está se derretendo. É um fato. No jornal falaram que é muito provável que para o verão do ano 2020 0 Polo Norte deixará de existir, pois terá se derretido completamente. E os muitos seres que têm esta região como seu lar, em consequencia, se extinguirão.
O que vamos fazer?

O planeta está, lastimavelmente, em nossas mãos. Os ursos polares não podem deixar de emitir gases tóxicos, não podem fazer campanhas de reciclagem. A responsabilidade é nossa.

Um pouco mais perto de nós temos o Amazonas. Faz parte do Brasil, os brasileiros se orgulham de ter este território, tão importante para o mundo. Porém, o que se está fazendo com ele? Estamos desmatando tudo. Pode ser que eu não esteja lá com uma serra elétrica cortando a árvore, mas também não estou fazendo nada para impedir que algum outro o faça. Temos muitas riquezas naturais, mas não as cuidamos. Em nome de um duvidoso progresso deixamos que todas as coisas maravilhosas da natureza sejam destruídas. E quando não tivermos mais o Amazonas? Quando todas as espécies de animais que nele moram se tenham extinguido, então, o que faremos?

Nós somos egoístas. Cuidamos de nossa casa, limpamos, arrumamos o nosso ambiente. Esquecemos que a nossa casa não é só o edifício feito de cimento e tijolos. Nossa casa é a terra. A rua onde moramos. O parque onde jogamos lixo "porque aqui se pode". É muito desagradável ver gente jogar lixo pela janela do carro ou do ônibus. Mas como "não é minha casa". E assim pensam também os nojentos que fazem aliviam suas bexigas nas pontes, nas árvores, nos túneis em baixo da linha do trem (isso eu sei, eu passo neles todo domingo, haja fedor!), em qualquer canto da cidade. Claro, depois vão embora e quem aguenta o fedor são os outros...

Os governos também são egoístas. Expõem suas próprias populações a riscos ambientais, se isto significa estar de mãos dadas com as grandes companhias cheias de dinheiro. Eu vi uma reportagem na MTV (e há quem fala que esse canal é do diabo...) falando de um bairro em Nova Iorque, que tem no meio uma usina nuclear. O rio que passa por esse bairro está cheio de petróleo, que foi vazando aos poucos durante muito tempo, vindo de uma companhia do lugar... que até hoje não recolheu o petróleo, o qual está contaminando o rio, está entrando por baixo das casas, está matando tudo o que existe nessa água que vai dar no mar. O governo não faz nada para obrigar a tal companhia a limpar as águas. O importante é ter dinheiro. Se minha memória fosse mais detalhada, poderia dizer o nome da companhia e do bairro, mas lastimosamente não escrevi na hora... e minha memória é muito ruim! Mas o nome da companhia é algo como Exxon, e vocês podem muito bem ver o programa, todas as quintas as 23,30. Se chama Toxic.

Passando a outra coisa, contaminação não é só aquela que faz derreter o Polo Norte. Também o barulho é contaminação. E barulho temos aos montes nas nossas cidades "desenvolvidas". Motoqueiros que passam buzinando, lojas com altofalantes enormes, carros que passam com o rádio no último volume. Geralmente ouvindo funk. Isto é, eu não posso obrigar aos outros a ouvir o que eu estou ouvindo no meu carro! É desrespeito pelos próprios ouvidos mas sobretudo pelos dos outros. Falta de educação... ela faz muita falta em nossa sociedade.

Contaminação é culpa de todos. Se o planeta está derretendo é culpa nossa. Nós não fazemos nada, e nem protestamos contra quem tem poder e não faz nada. Ai estão os Estados Unidos, o pais mais contaminador do planeta, felizes da vida se negando a fazer qualquer coisa para deixar de contaminar tanto. Claro, isso não produz dinheiro... mas as consequencias somos todos que as pagamos.

Vamos a acordar algum dia? Ou será que vamos esperar a que os nossos filhos nadem num mundo sujo, inundado pelo que antes era a casa dos ursos polares e outros seres? Vamos esperar que eles herdem um planeta sem remédio? Ainda há tempo...

P.S: Foi uma briga para escrever este texto, o blog não queria abrir...


6 de outubro de 2009

Da arte de escrever

Escrever é algo muito engraçado. Às vezes se quer escrever e não se encontram as palavras justas para expressar o que se quer dizer. Outras vezes as palavras saem aos torrentes, aparecem na mente de um momento ao outro, como querendo pular para o papel (ou a tela, claro). E enquanto mais se escreve, mais vontade se tem de escrever.
Escrever é uma arte, é uma paixão. Poder expressar o que se sente, poder desenhar com palavras paisagens inteiras, descrever emoções, inventar vidas, situações, pessoas, mundos inteiros. Ou falar do próprio mundo, opinar, tentar mudar um pouco as coisas. As palavras são armas. Não se alguém já disse isso. E podem ser bem usadas, ou mal usadas.

As palavras sempre chamaram minha atenção. Não elas em si (para gramática nunca fui boa, confundo tudo...) mas o que elas transmitem, o que expressam. São meio que um enigma para mim. Me falam que eu escrevo bem, mas não sei realmente se o faço. Foi uma surpresa para mim a primeira vez que ouvi dizer isso. Não que seja falsa modéstia, alias, sempre quis ser escritora, mas ouvir as palavras concretas de elogio é algo diferente do sonho. Muitos podem querer escrever. Ou pintar quadros. Mas do querer ao fazer há muita distancia.

Eu escrevo. As vezes gosto do resultado. Outras vezes não. Desde cedo tentei escrever histórias, contos, sei lá, qualquer coisa. Achei os resultados muito chatos. Muitas vezes nem terminei. Mas o tecido dos textos, a arte de misturar as palavras de tal forma que se tornem um conjunto interessante, coerente e compreensível, isso é um mistério para mim.

Escrever. Todo mundo escreve: scraps no orkut, e-mails, trabalhos para a escola, apuntes no trabalho. Mas isto não tem nada a ver com arte. É a arte convertida em simples ferramenta. Escrever de verdade é algo que se faz com vontade, com amor. Os grandes escritores não escreveram enquanto tinham um tempinho livre, ou quando passavem comerciais entre as novelas. Eles se dedicaram. (Disciplina. Algo que eu ainda estou procurando. Não que não tenha, só tenho pouca). Mas os sonhos se construem, e a vida nos é dada para desvelar os mistérios que nos encontramos pela frente. Como a caixinha de música se abre para entoar uma melodia nunca ouvida, as palavras surgem do fundo da mente, do coração, para descrever coisas que se encontravam ocultas, que não existiam. Assim, não existia o mundo de Nárnia até que C.S. Lewis o criou (de um modo magistral, tenho que apontar). Cada um tem seu próprio mistério. O enigma do músico se encontra no seu instrumento que, antes de saber tocar, era inútil e sem sentido para ele. Aprendendo a tocar, dominando seus segredos, se abriu para ele um mundo novo de sons, melodias e músicas emocionantes. O mistério do médico é o corpo humano. E assim, cada um vai na vida, conhecendo, aprendendo a desvelar seus mistérios.

Eu estou começando minha caminhada. Mas quero desvelar o mistério. Enigma das palavras, que podem se fazer chatas como num livro que a gente não gosta, ou envolventes, como nos livros que chegam ao coração e não saem mais. Espero que desvelando meu mistério tenha algo para oferecer. Algo para ensinar. Mas também algo para me revelar a mim mesma, isso que eu sou e que até agora tão pouco conheço.

A Colômbia que ninguém conhece

Como colombiana que mora em outro pais (e tenho morado em dois até o momento) tenho ouvido falar muito do meu pais. Não no jornal, é claro. Não sobre como é belo, ou sobre o que está acontecendo atualmente nele. Alias, ninguém fala da minha Colômbia. Falam de clichés, zoam sobre o sofrimento dos colombianos, riem às nossas custas. Alguns nem sabem onde a Colômbia fica (já me perguntaram se fica perto do Marrocos). Outros nem sabem quem é o presidente, ou qual e a capital do pais. Geralmente falam da Colômbia como uma grande plantação de maconha, de coca e sei lá o que mais. Falam dos colombianos como se todos fossemos membros da guerrilha, ou gostássemos muito das FARC. Acham que vivemos drogados, ou traficando drogas. E ninguém sabe. Ninguém nunca foi pelo menos para dizer que sabe como são as coisas. Ninguém viveu nunca na pele a dor que os colombianos carregamos no coração.
Dor pela pátria. Dor pelos compatriotas que não podem morar tranquilos em suas terras, que têm que abandonar tudo porque a guerrilha ou os paramilitares os obrigaram. Dor pelas famílias massacradas, pelos filhos sem pais, pela violência que tinge de vermelho a nossa terra preta, tão fértil e bela.

É muito fácil debochar quando não se conhece de perto a situação real. É fácil falar mal, e fácil rir e simplificar tudo a uma plantação de drogas. Mas quando se viveu uma grande parte da vida num pais que foi o berço, quando depois de muito tempo fora, com a saudade enorme que mora na alma, crescendo a cada dia, se ouve ainda falar besteira da própria nação, cresce a ira. Cresce a vontade de mandar todo mundo calar a boca. Quem dera eles fossem, conhecessem de verdade o pais que tanto denigram, olhassem de perto a beleza e a realidade da Colômbia.

Colômbia é um pais de lutadores. Além da desigualdade típica de um pais latino americano, se convive com a violência desde cedo. No jornal, na televisão. Mas não é só isso que existe em Colômbia. Em nós prevalece sempre a esperança. Esperança de que um dia a terra descanse. Que um dia o sangue deixe de ser espalhado. Que um dia a justiça chegue, as mágoas sarem, a vida prevaleça e a paz reine.

Colômbia e um pais belo. Bogotá é uma cidade que cada dia mais melhora, cresce, se desenvolve. A cidade mundial do Livro. O campo é fértil, as diferenças climáticas permitem o cultivo dos mais variados tipos de verduras, frutas, legumes. Viajando três horas desde Bogotá se passa do frio da cidade ao calor do interior, descendo a montanha. A paisagem muda, o gado é diferente, as vaquinhas brancas com preto dão lugar aos imponentes cebú. E o mar. E as ilhas: As ilhas do Rosario, a bela San Andrés. Com um mar perfeitamente azul, areia completamente branca. E peixes. Corais enormes, caranguejos. Providência e Santa Catalina com sua Ponte flutuante, colorida como a alma dos moradores do lugar. Como a alma dos colombianos.

Em Colômbia já vi terra preta, e já vi terra vermelha como o sangue. Já conheci a terra do café, Quindío, e visitei a planície. Já passei aventuras inacreditáveis, andei de cavalo, nadei no rio. Em Bogotá fui no Museu das Crianças (que até hoje não vi igual em nenhuma outra parte), conheci Maloka (outro museu único e divertido). Visitei a cidade velha (La Candelaria), com suas ruas estreitas e suas casas coloniais, cheias de histórias de fantasmas. Cheias de história pátria. Estudei de frente para o parque de atracções mecânicas. Fui nas livrarias. Quase passei tardes inteiras na biblioteca. Em Colômbia a cultura é importante. Dai saiu Fernando Botero, nela nasceu o grande Gabriel García Márquez. Foi em Colômbia onde se inventou a cumbia, onde nasceu o vallenato. E surgiu Rafael Escalona. E Alejandro Durán. Nela também nasceu Shakira (se bem que não gosto particularmente dela), e se formou Juanes.

A minha pátria tem problemas, como todos os outros. A violência mancha o que temos de belo, esconde o que temos de bom. E o mundo não vê o que realmente importa. Nestes anos todos morando fora do meu pais, só tenho ouvido falar dele no jornal em casos de violência, de tráfico de drogas. Mas ninguém fala das coisas boas que se fazem na Colômbia. Ninguém fala do Dia sem Carro, do Dia das Bicicletas. Ninguém fala do Natal iluminado de Bogotá, das bibliotecas que se construem, do Transmilênio. Ninguém sabe das águas termais que ficam perto da cidade, das cachoeiras, dos parques, represas e reservas naturais. Não se conhece a alegria dos colombianos, a sua vontade de sair adiante, de melhorar. O seu respeito por quem nos visita (diferentemente a... deixo para vocês refletir), a sua vontade de agradar. Sequer se fala dos que sofrem, dos camponeses que ficaram sem lar, dos sequestrados que há mais de dez anos estão longe de suas famílias, penando pela maldade de um grupo armado. Como se só Ingrid Betancourt tivesse sido sequestrada.

A Colômbia é mais que drogas. Muito mais do que violência, guerrilha e narcotráfico. Alias, a guerrilha e os narcotraficantes não representam a Colômbia. Eles não têm nada a ver com quem sofre. (Bem, alguns militam forçados, outros não têm muitas opções. Eles são vítimas, mas viram vitimários). Colômbia não é representada pelas quatro letras das FARC, nem pela droga que e consumida em tantos outros países. Os mesmos países que debocham de nós (haja ironia nesta vida). Somos mais do que um cliché. Somos mais do que uma piada.

E quem ri, não sabe. Quem faz piada ignora. E como se diz na Colômbia, a ignorância e atrevida. Que vergonha. É vergonhoso falar do que não se sabe, nesses casos geralmente só se falam abobrinhas. Que a Colômbia que ninguém conhece possa, algum dia, descansar em paz. E que quem aponta o dedo contra ela, contra nós, veja a si mesmo, e cale.

5 de outubro de 2009

Do valor da dignidade

Depender dos outros é muito chato. Isso é algo que já sabia mas experimentar em carne própria só confirma o pressuposto. Só que confirmação dói na carne. Não que seja desagradecida. Aliás, se agracedece o sustento, é uma bênção de Deus.
Porém, quando quem te sustenta acha que por você depender dele, ele tem direito ilimitado sobre a sua vida, as coisas mudam. Não direito no sentido de chefe-escravo. A questão é mais sutil. É direito de maltratar a dignidade. Em termos mais simples, humilhar a vontade.

Uma coisa é ter um caráter brincalhão. Outra coisa é zoar o próprio ser das pessoas. Uma coisa é que o carioca seja engraçado. Outra que não respeite os sentimentos alheios. E quando se depende de alguém que cada dia, em público e em privado, muitas ou poucas vezes, magoa a própria dignidade, a própria identidade, o ser dói. O orgulho ferido vai sendo guardado no coração, que, pouco a pouco, se enche de raiva, de rebeldia.

E um dia a taça se enche. E um dia o coração ferido acorda os sentidos, e se percebe que não vale a pena. Não vale a pena estar numa prisão de desrespeito, engaiolar a dignidade por simples dependência económica. Não vale a pena vender a dignidade por tão pouco.

E sim, não há dinheiro. Sim, é uma grande ajuda. Mas, é mais importante isso do que sentir-se bem consigo mesmo? Estar em paz e com um coração limpo de ressentimentos e mágoas me parece algo mais importante do que uma efêmera e muito incerta estabilidade monetária.

A vida é mais do que dinheiro. E as vezes o que aparenta ser uma bênção vira um pesadelo. Uma vida degradada e vazia, cheia de raiva e mágoa. E não vale a pena. A dignidade não tem preço.