Descarado porque? A coisa mais óbvia é que só os países do primeiro mundo se salvam. Mas tem mais do que isso. Não são todos os europeus e norteamericanos que se salvam. Não. São só os ricos, os poderosos, os governantes (deve ser para garantir que no "novo mundo" a corrupção apareça o mais rápido possível...).
Este filme é descarado não tanto porque os ricos se salvam. Nisto ele é até realista. Quando alguma coisa acontece, se o rico se salvou, podem ter morrido outras tantas pessoas que ninguém está nem ai. Se assassinam um famoso, a polícia faz de tudo para achar o culpável. Se for um zé ninguém, muitas vezes nem se sabe que morreu alguém. Tantas pessoas morrem todos os dias, seus crimes arquivados em algum estante cheio de poeira... Mas voltando ao filme, ele é descarado porque quem se salva, sob o comando do "magnânimo" geólogo estadunidense, se acha o bom samaritano porque abriu as portas da "arca" para "o pobre pessoal que tinha ficado sem arca". Não foi ato de crueldade ter deixado morrer milhões, bilhões de pessoas do mundo todo. Foi ato de crueldade a negação do Anheuser de abrir as portas da arca para os ricos poderem se salvar.
Fala sério. Eu sei que filme de ação é uma coisa ilógica atrás de outra coisa ilógica, e que nesses filminhos a metade do grupo original de personagens morre, comido por tubarões ou assassinado por maníacos homicidas, derretido pelo vulcão ou levado pelo tornado... mas este filme passa sobre tudo isso. Técnicamente eles narram a história de um escritor que descobre que o mundo vai acabar e a conspiração e tudo mais. Ele se tinha separado da mulher, que aparentemente está feliz com o marido novo. Mas quando este último é engolido pelos mecanismos de apertura das portas da arca (no ato de caridade de deixar os pobres ricos entrarem as portas se abrem justo quando os pobres se infiltram na arca por baixo), ninguém chora. Ninguém diz: tadinho dele, eu gostava dele. Depois nem parece que ele existiu. E assim acontece com um monte de pessoas. A amante do russo morre, em um inverossímil afogamento (são três compartimentos, os protagonistas ficam no primeiro, ela passa com uma criança. A criança vai para um tercer compartimento, e a russa fica no meio. Depois, a água enche o compartimento dela, estranhamente sem invadir primeiro o dos protagonistas, que é por onde, técnicamente, a água entra).
Além dessas inverossimilitudes, tem a história dos governantes mártires. Como sempre, o presidente dos EUA salva a pátria e fica com seu povo. Isso não é novo. Em todos os filmes o presidente norteamericano é quase um deus da caridade, cheio de coragem e amor pelos pobres (da até para rir). Mas a piada maior é o premier italiano ficar com o seu povo também. Isso sim faz rir mesmo. Se fosse verdade o tal 2012, o primeiro a entrar no barquinho aquele, com tudo e suas empresas, iria ser o Berlusconi. Ah sim, seguro ele vai ficar e morrer. Ele não quer nem admitir que cometeu crimes e enfrentar a justiça italiana! (e tem dois processos contra ele...) Imagina decidir morrer. Nem em sonhos.
Em resumo, este filme, além de distrair o povo com seus efeitos especiais, além de contar-nos a velha história de como os norteamericanos são súper-heróis, além de aproveitar o alarme todo do tal calendário maia, mostra um panorama real da sociedade atual. Não precisa ser 2012. Como já disse, se os ricos se salvam, o resto do mundo pode se danar. Isto é exatamente o que acontece na sociedade. Não somente no sentido de crimes e morte. Mas no sentido de bem-estar, de justiça social. Os ricos, os poderosos, os governantes, quem seja que tenha um pouco de poder, sempre vão procurar primeiro defender os próprios interesses. Esse papo de representantes do povo é uma mentira que a gente prefire engolir para não aceitarmos que somos enganados. Os ricos só querem ser mais ricos. Quem sai adiante na vida muitas vezes, em lugar de lembrar de onde saiu, se coloca na posse de "sou superior". E claro, gente superior primeiro.
Como já disse, aquele ato falso de generosidade é descarado. "Vamos salvar os pobres ricos!" E o geólogo fica como o herói compassivo da história. Ah claro, ele queria salvar o amigo dele... ele queria salvar todo mundo... Na vida real, não há geólogo nenhum. Só o Anheuser, que não se importa nem com a vida da própria mãe.
Não é meu propósito apelar para aquela coisa de "oprimidos" e "opressores". Mesmo dentro do grupo dos oprimidos há opressores, dispostos a ferrar quem estiver um pouco embaixo deles. Só queria falar de um filme que não gostei... mas que mostra na cara (com alguns adoçantes mentirosos) como funcionam as coisas deste mundo. Ricos, pobres... não é o "destino" quem decide. É o interesse de quem tem poder para fazer algo por si mesmo.
Detalhe final: Eles falam que salvaram a humanidade... como se a humanidade se reduzisse a Europa e Norte America! Ninguém falou em Brasil, Colômbia, Haiti... Nenhum africano entrou nas tais arcas... o unico que mostram do Brasil é o Cristo derrubado e o povo morrendo de fome. Mostra do mundo tal qual é. Se o filme não tivesse tido o geólogo legalzinho, seria uma fiel cópia da realidade, porque, claro, o Anheuser ia poder fazer a vontade dele e mandar até os ricos morrer. Como já disse, se tem um pouco de poder, a pessoa vai fazer tudo... para ganhar algo ela mesma.