28 de outubro de 2010

Conhecimento

Um dia o homem acordou, e se encontrou em um mundo vasto, desconhecido, fascinante. E o homem se perguntou o que fazia neste mundo, olhou para o céu e se perguntou o que haveria lá, olhou para a natureza e ficou encantado com a sua beleza, e se sentiu tão pequeno quando enfrentou a majestade enorme do mar... e ainda não soube o que fazia neste mundo.
Assim, o homem começou a recorrer caminhos, a descobrir lugares, a procurar respostas. Ele começou a caminhar nas sendas do conhecimento, e descobriu o que, na sua opinião, era verdade. Depois pesquisou mais a fundo, e viu que o que achou verdade não era tal. E continuou, continuou... e o homem nunca mais deixou de avançar na sua busca, na sua sede de conhecimento. Dizem que o conhecimento foi fruto do pecado de Adão... mas o conhecimento faz parte da alma, faz parte da nossa própria natureza. O homem quer saber. Mesmo que seu conhecimento seja baseado em hipóteses. Mesmo que o que ele descubra mais adiante seja superado. O importante é saber, aprender, descobrir cada vez mais o mundo que o rodeia. 
Dizem por ai que querer saber muito é pecado. Que a razão é vã. Pode até ser, a razão muitas vezes se enalteceu muito mais do que devia (afinal, a razão humana é limitada...). Ainda assim, a razão é central na vida do homem. O homem é um ser racional. Demonizar a razão é tão absurdo como dizer que o homem está marcado pelo pecado, que, como dizia Agostinho, somos todos uma massa de condenados. Deus nos fez seres racionais, e nos fez seres livres. O homem tem muitas capacidades, e é seu dever usá-las. É seu dever tomar nas suas mãos a própria liberdade e viver, sabendo dos perigos que a liberdade traz consigo mesma, mas se arriscando mesmo assim a usá-la. Conhecimento de si mesmo também faz parte do ser humano, que se pergunta o por que está neste mundo. O homem quer conhecer o mundo, mas tem também que se conhecer ele mesmo, saber seus limites, saber suas capacidades, suas fragilidades.
Quando o homem deixar de olhar para o seu mundo, e deixar de se questionar, sobre o mundo e sobre ele mesmo, ai o conhecimento vai acabar. E ai não vai importar se ele tem liberdade, já que não saberá como usá-la. Não importará mais ser humanos.

Habacuque 3,17-19

O profeta Habacuque é um dos chamados profetas menores. Ele escreveu sua profecia para o povo de Judá, reprovando as injustiças cometidas pelo povo e anunciando o castigo pela mão dos cal-deus, mas também trazendo palavras de esperança.
O texto do capítulo 3, 17-19 é muito belo. Ele de-monstra a confiança ab-soluta que o profeta tem em seu Deus. Ele descreve um panorama desolador. No original hebraico não há um “talvez” no texto, que no português fala: “Ainda que...”, estabelecendo uma possibilidade: “Talvez aconteça”. O profeta, no original, afirma que haverá devastação. Não haverá figueiras
florescentes, as vides não darão fruto, as
ovelhas serão exterminadas e não haverá gado nos currais. O campo será totalmente estéril, tudo será exterminado.
Frente a este panorama desolador, o quê o profeta diz? Ele afirma, no v. 18: “todavia eu me alegrarei no Senhor”. Ele exulta no seu Deus, proclama sua confiança no seu Senhor que lhe dá forças para afrontar esse panorama sombrio, e lhe permite andar sobre lugares altos. O profeta não dá sinais de desânimo. Pelo contrário, ele se refugia no seu Deus, expressando sua confiança de que, mesmo com tanta tristeza ao redor, o Senhor está com ele. Não só isso, mas ele
se alegra em Deus.
Quantas vezes nós enfrentamos dificuldades, que ao nosso ver podem parecer enormes, intransponíveis, e nos sentimos cansados, sem forças, desanimados?
Eu já me senti assim muitas vezes. Cada dia traz sua própria preocupação, e ao longo de nossas vidas enfrentamos problemas de diversos tipos. Porém, este texto nos chama a dizer o mesmo que o profeta: As coisas podem “estar pretas”, mas Deus é nossa alegria. O profeta nos demonstra que é possível de verdade confiar em Deus, que é possível deixar tudo nas mãos de Deus, já que, afinal, ele é nossa força, ele é que nos faz andar por onde não pensamos que seja possível.

De Vocações e Expectativas

Com o fim deste ano acadêmico, chego ao fim da minha vida como seminarista. Me formarei, serei bacharel em teologia, e minha vida tomará outros rumos. Ser seminarista foi uma experiência maravilhosa, que me fez mudar muito minha forma de pensar, minha forma de agir. Aqui também encontrei minha vocação, aquilo que me faz feliz, mesmo sendo difícil. Eu gosto de teologia. Eu gosto de estudar. E eu gosto de exegese. É difícil, e ainda tenho muito que aprender, mas eu gosto.
E ai vem a confusão. Quando vim aqui tinha certas expectativas, que agora estão muito longe da minha cabeça e do meu coração. Não que Deus tenha deixado de ser meu Deus. Não que "o chamado" não fosse real. Só que enxergando as coisas desde outros pontos de vista, tudo fica mais complicado, sobretudo porque quando se volta ao redil todos os outros têm a mesma visão que eu deixei há muito, e à qual não pretendo voltar.
Rebeldia? Heresia? Desobediência? Não sei. Sei que muitos esperam de mim algo
que não posso mais oferecer. Sei que minha vida tem uma função, que não vim ao seminário à toa. Mas o que eu quero não estava dentro dos planes originais, e não sei como conciliar o que eu quero com o que se quer de
mim.
Sei que minha vocação é uma: me enfiar nos textos e fazer uma boa exegese. Eu gosto disso, gosto do hebraico, gosto de enxergar no texto coisas novas que nunca vi porque lia com os olhos da dogmática e da tradição. E sei que a exegese enriquece a vida também. Não é simples teoria. A Bíblia é mais complexa do que se pensa. E mais rica do que se fala. E menos rígida do que se impõe na igreja. Por muito tempo fugi da profissão de professora, mas acho que me persegue. Acho que o que eu vou fazer mesmo é ensinar (além da exegese, claro). E para isso tenho que estudar.
Agora minha vida está tomando outros rumos, e ai deixo nas mãos de Deus. Que faça ele o que quiser. Mas que faça e me mostre o que eu hei de fazer, como hei de fazer, como construirei a minha vida.
Eu penso que as pessoas são feitas para desenvolver diferentes tarefas. Na Bíblia também diz, que no corpo existem muitos membros. Eu não me vejo como os outros querem ver-me, mas não por isso acho que esteja fugindo do meu "chamado". Se eu gosto de exegese é por algo. E se fazendo exegese, e ensinando, eu posso fazer a minha parte, não vejo como esteja me afastando da "vocação" e do "chamado". O problema agora é saber o que fazer. Durante quatro anos estudei, me esforcei, vivi muitas coisas belas e ruins, casei, cresci. Agora o mundo está frente a mim, e eu não sei ainda como encará-lo. Tenho uma dívida a pagar, uma responsabilidade a cumprir. E sonhos, metas, ideais, tantos sonhos... tenho uma expectativa própria, também. Porém, por enquanto, tenho de deixá-la de molho. Primeiro tenho que responder às expectativas dos outros, experimentar um caminho, experimentar outro, encontrar meu lugar na vida. E não vou deixar de aproveitar as oportunidades, já que Deus está no controle. Afinal eu vim por isso, porque disse que minha vida estava nas mãos de Deus... e se Deus quer me mostrar um caminho, bem-vindo seja! Meu Deus... os nervos não faltam... o desconhecido dá sempre um pouco de medo!

15 de outubro de 2010

Aborto... coisa feia!

Estes dias o tema do aborto está sendo muito discutido, tendo em conta as posições políticas de Dilma e Serra ao respeito. Mas aqui não quero falar de política, ou de religião. O aborto simplesmente é, para mim, algo que não deveria acontecer. Há casos especiais, como o estupro e a malformação genética, ou quando a mãe corre risco de vida. Esses casos são mais delicados. Mas abortar simplesmente porque é a saída mais fácil para "resolver o probleminha" é uma atitude altamente egoísta.

Para mim o aborto é assassinato, ponto. Desde a sexta semana de gravidez o feto já tem um coração que bate, e é um ser completamente independente da mãe, que só está unido a ela pelo cordão umbilical e a placenta. Ele é outro ser. Se a mulher pode ser dona do seu corpo, não pode tomar a decisão de matar um outro ser, mesmo que esteja dentro dela. Como pode se falar que não se chegou a um acordo sobre quando a criança no ventre passa a ser pessoa? Que desculpa esfarrapada, para "legitimar" a solução fácil (fácil entre aspas, já que o aborto pode trazer muitas complicações para a mãe, que pode estragar seu útero e ficar estéril)! Sabendo que mesmo do tamanho de um feijão o bebezinho já tem coração próprio! É absurdo!

O que eu acho ridículo sobre toda a situação é que em pleno século XXI, onde se têm acesso a camisinhas (nos postos de saúde são de graça), pílulas anticoncepcionais, pílulas do dia seguinte e tantos outros métodos anticoncepcionais, as pessoas não se cuidem de uma gravidez não desejada. Isto é, se não quer ter filhos, ou não faz sexo, ou faz sexo com precaução. E não é coisa de que seja difícil o acesso aos anticoncepcionais: o meu custa somente R$ 15,00. Não é o olho da cara tampouco. E as mulheres e seus parceiros devem fazer as coisas com a cabeça. É tão simples!

Claro, sempre há "arrebatos de paixão". Bom, se você errou, assuma seu erro! O problema do aborto é que se trata de uma vida que está surgindo. Não é como tirar a cera do ouvido porque atrapalha ouvir. É algo vivo! É compreensível o momento do desespero. Mas para mim a vida está acima de tudo.

As ações trazem consequências, se se faz sexo sem proteção a probabilidade de ficar grávida é alta. É simples. Porque as mulheres não se cuidam? Porque os homens não se cuidam, se não querem ter compromissos depois, filhos por quem responder? Ahhh, mas é mais fácil se livrar do problema depois, pensar depois de ter feito as coisas.

Se argumenta que não se tem condições, que não é o momento de ter filhos, que o pai da criança não quer assumir. Porque carambas não se pensou nisso antes do ato sexual? E depois a criancinha no ventre paga as consequências dos atos paternos!

O aborto para mim não é solução. É crime. E não há escusa válida. Se minha mãe tivesse se amparado nessas escusas (em 1987, solteira, com 19 anos, num pais conservador e católico como é a Colômbia) teria tranquilamente se desfeito de mim. Mas não o fez. Enfrentou minha avó, enfrentou a paróquia da qual fazia parte, enfrentou o escárnio do meu avó paterno, o sumiço temporâneo do meu pai, as propostas de sumir da cidade e de fazer aborto, de ser levada a uma casa de mães solteiras, a dor, a solidão. Sofreu muito, mas assumiu as consequências dos seus atos. Graças à sua coragem e a sua proteção é que eu estou neste mundo. Muitas crianças não têm essa proteção materna. É mais fácil se desfazer do problema.

Finalizando, minha própria vida é contra o aborto. Minha mãe não me abortou, e agradeço muito isso, essa oportunidade que tive de vir ao mundo. E minha mãe me ensinou isso, me mostrou o valor da vida, e o valor que se deve ter para enfrentar todas as situações, para assumir todos os erros, para sofrer todas as consequências. O aborto é uma saída fácil para o egoísmo, para não assumir os atos, para se "livrar dos problemas". E assim, a sociedade avança em seu egoísmo, em sua frivolidade. Eu faço as coisas, enfio a cabeça onde não devo, mas não quero saber nada das consequências dos meus atos. Simples assim. E milhares de bebés inocentes pagam pelo egoísmo e a desumanização (ainda não entendo como alguém tem a "coragem" de aceitar tirar de dentro de si uma vida tão pequena, tão indefesa, que não tem nem a possibilidade de se defender) dos seus pais, da sua cultura, da sua sociedade.

1 de outubro de 2010

Por Quê Osvaldo?

Ontem foi um dia normal. Tudo estava normal, a gente foi às aulas na manhã, vimos Osvaldo como sempre, no seu escritório, falamos, aprendemos, saímos. À tarde as coisas foram comuns. E depois chegou a reunião da noite. Não sabíamos, ou pelo menos eu não sabia, o porque da reunião. E o diretor nos disse: A Convenção demitiu o professor e coordenador geral Osvaldo Luiz Ribeiro. Foi um choque.

Eu fiquei pensando em tudo o que aprendi. Foi engraçado. Essa semana mesmo eu pensei que estava com saudades de ter aula com Osvaldo, já que este semestre não tenho ele como professor, e, como acabei a monografia, não tinha mais sessões de orientação.

Para mim Osvaldo foi o professor que mais influenciou na minha formação, quem mais "dicas" sobre a vida me deu, de quem aprendi um jeito novo de ver o mundo, a igreja, a relação com Deus e a Bíblia. Graças a Deus por isso. Graças a Deus por ter tido a oportunidade de estudar com esse professor que me ensinou tanto, que me permitiu conhecer um novo modo de ser cristã. E foi meu orientador. Sem sua ajuda, teria ficado atolada no meio das minhas cambaleantes tentativas de traduzir um texto do hebraico, e minha monografia não teria sido o que agora é. Tive o privilégio de ser a única orientanda de Osvaldo este ano, visto seu trabalho como coordenador, que não lhe deixava muito tempo livre.

Osvaldo marcou mesmo a minha vida. E foi coerente. O que ele fala é o que ele é, e o que ele faz. Já vi muitos exemplos de pastores (lastimosamente minhas experiências em algumas igrejas têm sido meio ruins) e outras pessoas (seminaristas incluídos) que se proclamam "conservadores", filhos e servos de Deus, defensores da doutrina "certa", que não admitem novas formas de pensar. E vi depois que eles não eram coerentes, que muitas vezes eram, não me vem outro termo à cabeça, "safados", em muitos aspectos, na moral, no comportamento com os outros, criticando tudo que tinham pela frente, se importando pouco ou nada com aqueles que precisavam de ajuda. Proclamavam aquilo que não eram, pregavam aos domingos o que apagavam com sua ação logo depois do culto. E cada vez mais percebi que para ter pessoas assim dentro da igreja, melhor ter pessoas como Osvaldo, que falam claro o que pensam, sem por isso impôr seu pensamento aos outros, e que, sobretudo, com seu comportamento ratificam aquilo que falaram. Osvaldo é assim para mim, ele não usa máscaras, não se disfarça de "servo de Deus". Ele demonstra suas dúvidas, e não tem medo de pensar. E eu aprendi muito com ele.

Como ele disse ontem, ele chegou ao seminário fundamentalista, pensando que só sua igreja era salva. E saiu de aqui diferente, aberto, pluralista. Eu estou passando (ainda tenho tantas "crises de seminarista..." pelo mesmo processo: cheguei aqui pensando que tudo era pecado, que por qualquer coisa que fizesse tinha que pedir perdão a Deus, que não podia nem encostar em alguém "do mundo". E percebi que o mundo não é assim, que ser cristão não é assim. E grande parte dessa percepção foi graças ao que aprendi nas aulas com o Osvaldo.

Esse professor que ontem foi demitido de uma forma tão indigna foi muito importante para muitas pessoas, seminaristas, professores. E para mim. Saber que ele não está mais no seminário, que não vou ver mais ele no gabinete quando me dirigir à minha sala de aula, é triste. É triste pensar que muitos alunos desta instituição não vão ter a oportunidade de aprender com ele. Ele é um excelente professor.

Só tenho para dizer que a sua demissão foi causa de muita tristeza para mim. E para muitos outros. Que foi um golpe tão inesperado, que nos deixou tão impotentes! E, repetindo, que Osvaldo é o professor que mais me ensinou, que mais marcas deixou na minha vida, não só na parte acadêmica (aprendi muito mesmo), mas também na parte pessoal. Ele me ensinou que a gente pode pensar livremente. Que a razão não é um bicho papão. Também me ensinou que Deus não está limitado a uma doutrina, que Deus é muito mais do que a gente aprende na igreja. Me ensinou que pensar, mudar, crescer, dói. Agora o que está doendo é ele ter ido embora... e fica a pergunta: por quê Osvaldo?