Este livro, mesmo sendo escrito há muito tempo, ainda é muito atual. Hoje em dia, mesmo que todos saibam que há tristezas no mundo, que há muitas injustiças, que há opressão, desigualdade, racismo, preconceito, escravidão, violência, as pessoas muitas vezes pretendem fingir que não há nada disso. O mundo consumista de hoje faz as pessoas cegas, preocupadas com seus próprios umbigos, interessadas unicamente em adquirir mais e mais coisas para seu próprio prazer, buscando a sua felicidade sem se importar com os outros. Cândido, na sua caminhada pelo mundo, se surpreende com todas as desgraças que acontecem aos homens, e, querendo encontrar alguém feliz com sua condição, não o encontra, nem mesmo quando esse alguém é rico, pois é tão rico que fica aborrecido com sua própria riqueza, e não acha mais prazer em nada. Hoje há muitas pessoas assim, que têm tudo e não têm nada, que, mesmo sendo ricos, não são felizes.Não posso deixar de ligar o pensamento de Voltaire ao do autor do Eclesiastes. Tanto um como outro refutam um pensamento: Voltaire, aquele de que o mundo em que vivemos é o melhor possível, o autor de Eclesiastes, o pensamento, ou melhor, a teologia que diz que o justo se da bem e o mau se da mal. Eles não tem que fazer outra coisa que dar uma olhada ao seu redor: onde quer que eles vêem, há dor, tristeza, injustiça. E o pior é que poucas coisas mudaram desde os tempos bíblicos, e desde os tempos de Voltaire. Ainda há injustiça, maldade, opressão, desigualdade. O que acho mais interessante é que os dois autores chegam a uma conclusão semelhante: ante todas as tristezas do mundo, o que há de melhor a fazer é aproveitar o dia-a-dia. Cultivar o jardim, aproveitar o tempo, desfrutar das coisas do mundo: o pão, o vinho, a mulher ou o homem com quem se está. Não adianta querer inventar um mundo perfeito, pois o mundo não o é.
No final do livro, Pangloss ainda teima que este é o melhor dos mundos e que todas as desgraças sofridas por Cândido foram boas. Ao que este responde: "Muito bem, mas é preciso cultivar nosso jardim". É uma frase que resume todo o pensamento de Voltaire, e que se coneta com o "bebe teu vinho, come teu pão e desfruta a vida com a mulher da tua juventude, pois esta é a tua parte na terra" (versículo parafraseado) de Eclesiastes. E que, ao meu ver, é o melhor que podemos fazer neste nosso mundo maluco. Não podemos nos enfiar numa cápsula de cristal e pretender ignorar as tristezas deste mundo. Mas também não podemos achar que não há nada neste mundo que valga a pena (como muitos cristãos fazem). Temos é que viver a nossa vida, dia após dia, com simplicidade, sem deixar-nos levar pelo consumismo do nosso tempo, fazendo bem o que podemos fazer.
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