18 de setembro de 2009

A letra escarlate e o costume

Nestes dias li e me apaixonei pelo livro "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne. A medida que o lia imaginava todas as coisas que poderia escrever sobre ele. Lamentavelmente não tinha um computador por perto... mas este livro maravilhoso, reflexo do pensamento de uma inteira sociedade, colonizadora das então terras virgens dos Estados Unidos, tem muito para nos dizer.

Uma coisa que eu amei do livro é como ele mostra, tão claramente, o impacto que a sociedade tem sobre a vida das pessoas. Os protagonistas viviam numa sociedade rigidamente puritana, onde as crianças não podiam brincar e onde todos os aspectos da vida tinham a ver com a religião (pelo menos aparentemente). Um pastor era santo só pelo cargo que tinha. E um pecador era irremissivelmente condenado ao fogo do inferno, de acordo com a gravidade do seu pecado.

O autor faz um tecido maravilhoso de consciências humanas, costumes, ideias. O pastor e a mulher. Unidos pelo pecado. Afastados pelas aparências. E a consequência do seu pecado, manchada no caráter por este mesmo pecado.

Hester é um modelo de sofredora. Numa sociedade que tinha esquecido que Deus é misericordioso e perdoa o pecador, que tinha degradado Hester a mais ínfima das posições na escala social, rejeitada, humilhada e criticada por todos, evitada como se tivesse uma doença mortalmente contagiosa, ela luta por viver. Ela não foge, aceita sua condenação com paciência, consciente de que é merecida. (Aqui tem um aspecto da mentalidade daqueles dias.) Ela vive sua vida procurando apenas se manter e manter a sua filha, a quem não entende. Borda com paixão o seu martírio, a letra vermelha, como se fosse algo digno de orgulho e não de dor. Nem acusa ao pastor, covarde e mentiroso, pela sua ação. Ela é rebelde, no meio de tudo. Não se deixa levar pelas humilhações, não desiste. Continua sempre, fazendo cada vez mais belos trabalhos, vestindo a sua filha como se fosse uma princesa.

O pastor Dimmesdale. O hipócrita. Tanto nessa época como hoje, tantos vão por ai com uma máscara de santidade, mostrando ao mundo o bons e virtuosos que são. Mas o autor não o deixa impune. Ao contrário de hoje, a sociedade de outros tempos tinha consciência dos seus atos. Se ninguém sabia o adultério do pastor, Deus sabia. E ele sabia disso. Por isso sua alma foi cada vez mais atormentada, suas leituras da Bíblia não lhe revelaram o amor e a compaixão de Deus. Se sabia condenado para sempre. (Conforme ao pensamento puritano da época) E queria confessar. Muitas vezes quis confessar. Porém, as aparências ganhavam. O medo do que os outros falassem, o medo de afrontar as consequências do pecado fechava a sua boca, fazendo-o mais culpável, por deixar a mãe da sua filha afrontar a punição sozinha. Esta personagem vive ao longo do livro um conflito intenso, que o desgasta, o martiriza mais profundamente do que a letra fazia com Hester, acaba com a sua razão e com sua vida. Ele foi vítima do seu pecado, afinal. Seu pecado maior, que não foi o adultério. Foi a hipocrisia.

Pearl. "Filha do pecado", o autor lhe da um caráter ao mesmo tempo rebelde e independente, original. Ela, ao ser gerada fora dos padrões estabelecidos pela sociedade, nasce diferente aos outros. É única. Sua mãe não a entende os outros a rejeitam. Pequena e linda, desde cedo aprende a se defender dos outros, das opiniões dos outros, dos ataques dos outros. Se afasta assim do contato humano, não só dos que a rejeitam, mas também da sua mãe, que como já disse, não sabe como lidar com ela. Nathaniel Hawthorne faz de Pearl o reflexo do seu pensamento. Ele era puritano convicto, mas dentro de si não aceitava as convenções. Achava injusto o que eles fizeram com Hester. E assim, fez de Pearl uma criatura livre de convenções humanas, flutuante, livre como um pássaro, que é a descrição mais frequente que ele faz da menina. Porém, o autor se recusa a condenar completamente a sua sociedade. Assim, Pearl, o passarinho livre, só vira ser humano completo, só fica gentil e amorosa com sua mãe e os outros quando o pecado do pastor é revelado, quando ela descobre a sua culpa, ou melhor, a culpa dos seus pais, e entende porque ele andava sempre com a mão no coração, e porque sua mãe carrega a brilhante letra escarlate no seio. O pecado revelado da à menina uma consciência moral que ela não tinha.

O médico Chillingworth. O marido traído. O vingador. A outra face do pecado. Ele é vítima, mas ao empreender o seu plano de vingança contra o pastor, vira um pecador também. Ele é muitas vezes comparado com o demônio, feito inumano por guardar maldade em seu coração contra outro ser humano. Hawthorne escreve tão bem que se pode até imaginar seu coração apodrecendo no meio do peito, comido pelo rancor.

Este livro espelha não somente os costumes da sociedade puritana, suas crenças, seu folclore, mas também é uma janela para o caráter e pensamento do seu autor. Ele nos faz refletir muitas coisas, como o peso da sociedade sobre as pessoas, a grande parte que os costumes e ideologias de cada sociedade têm na vida privada do indivíduo, na sua própria consciência. Na atualidade um casal de adúlteros seria apenas mais um do montão, o caso se resolveria tranquilamente com o divórcio e os "pecadores" nem estariam ai para o que os outros pensassem. Mesmo na igreja, muitas coisas se fazem em baixo do tapete, desde que nenhum irmão saiba, tudo bem. A nossa conciência cada vez mais está ficando adormecida, relativa.

É interessante ver, no livro, como as personagens se debatem com a sua consciência, que foi sendo formada desde seu nascimento, conforme às crenças, conforme ao que se considerava bom e correto. Hester, que aceitou a culpa e o castigo, se pergunta se algum dia Deus irá perdoar ela. O pastor, cuja culpa está escondida às consciências de todos, se atormenta pela sua hipocrisia e porque sabe que, apesar de tudo, Deus sabe de seu pecado. E se acha mais condenado ainda que Hester, pois sua covardia não o deixou confessar o crime. O doutor, tão entregue está à sua vingança que não pensa em Deus, nem na piedade, nem na salvação. Só no final admite ser condenado, também, pela sua maldade.

Esta consciência de culpa é totalmente oposta ao nosso cristianismo moderno. O pessimismo antropológico de Lutero ficou no passado. Agora sabemos que temos perdão. O Deus da Bíblia não nos condena, ele tem misericórdia de nós. E ai temos outro ponto de reflexão. As diferentes interpretações da Bíblia. Como é possível que esse pastor, que pregava cada domingo um belo sermão, que lia a Bíblia com devoção, não tenha encontrado nas suas leituras a misericórdia e o perdão de Deus que nós lemos, que nós encontramos? Como a concepção de Deus pré-moldada que se tem na sociedade pode estabelecer os parâmetros para entender o que lemos? E ainda dizem que cada um interpreta ao próprio modo. Cada um interpreta seguindo o modelo que aprendeu desde sempre! Por mais que o pastor Dimmesdale lesse e relesse textos como João 3,16, ele nunca ia ver nele o amor de um Deus perdoador. Ia ver o amor de um Deus que ama a quem é socialmente íntegro, socialmente correto, responsável e puro.

"A letra escarlate" é um livro fantástico. A leitura é absorvente, se tem vontade de saber o que vai acontecer com tão atormentadas personagens, se sofre pela dor de Hester, da raiva pela covardia do pastor, se odeia o médico cruel. E no entanto, se conhece uma sociedade que foi precursora da atual sociedade americana (se eles vieram ver como esta USA agora!! iram morrer de novo em segundos... de um ataque). Se percebe até que ponto a sociedade pode magoar as pessoas, pode fazer das pessoas alguém digno ou alguém miserável. E se vê até que ponto estamos presos na nossa sociedade, amarrados aos nossos costumes, crenças e ideologias. E se levanta (pelo menos em mim) a rebeldia. Dá vontade de entrar na situação só para defender a pecadora, para levantar sua moral, para opinar. Mas o puritanismo já foi. Agora temos é que opinar na nossa sociedade, mudar as coisas erradas, sair da gaiola do costume.

16 de setembro de 2009

Um ano... passa voando!!

Hoje é um dia muito importante para mim. Hoje já faz um ano que estou compartilhando a minha vida com a pessoa que virou a mais importante do mundo para mim, a pessoa que mais compartilha comigo das minha vida, minhas dificuldades e alegrias, meu noivo.

Um ano é muito tempo, mas passa muito depressa. E mais quando se é feliz. Não que este ano tenha sido um mar de rosas, ou alias, tem sido um mar de rosas... sem esquecer que as rosas têm espinhos. Mas no meio de tudo é bom saber que se tem alguém para ajudar, alguém para animar, alguém que compreende quando todos os outros julgam, criticam ou simplesmente ignoram o que se passa na cabeça da gente. Alguém com o qual se fazem planos para o futuro, que se imagina ter ao lado no ultimo momento da vida, quando não importa mais o que vai ser da nossa vida.

Um ano compartilhado com alguém como meu Leo é uma experiência que quero repetir, quero passar ano após ano junto a ele, aprendendo juntos, caminhando juntos, errando juntos até. A vida passa voando, em menos de nada vou olhar atrás e ver que fiquei velha... e quero ver ao meu lado aquela pessoa especial, que envelheceu comigo, viveu comigo.

Um ano... tão pouco, mas ao mesmo tempo tanto... por alguma coisa se celebram os aniversários, seja de casamento, namoro, nascimento, alguns celebram até da morte... um ano, que passa sem nós mesmos percebermos, colocando rugas no rosto, fazendo nossas vidas mudarem ou continuarem iguais... (se bem que a vida passada ano após ano do mesmo jeito deve ser a coisa mais chata do mundo) que passa muito rápido, fazendo que pareçam poucos dias o lapso de tempo entre as datas importantes para nós(por exemplo, é muito comum ouvir por ai "parece ontem que ele nasceu", e expressões similares).

Mas um ano também pode parecer que passa muito devagar, quase não acaba, sobretudo nos momentos mais difíceis das nossas vidas, nos momentos da dor, e até mesmo quando estamos esperando por um acontecimento muito especial para nós, como casamento ou o nascimento dos filhos. Isto me leva a concluir que o tempo se mede pelas emoções, mais que pelo calendário.

Bom, para terminar, tenho que dizer que este ano que, para mim, passou voando, foi o início de muitas mudanças na minha vida, na minha forma de enxergar o mundo, na minha forma de ser. Este ano foi especial... especial como meu amor, maravilhoso como é experimentar coisas novas, sentir coisas que nunca se pensou que se poderiam sentir.

E sem meu amor, nada do que sou hoje, nada do que sonho hoje, penso hoje seria possível. Obrigada amor, por tudo. Feliz aniversário de Namoro! Hoje e para sempre, vou te amar, e vou ficar com você. Te amo.


Dedicado especialmente a Leonardo Cotta Podlyska, a pessoa a quem mais amo!

4 de setembro de 2009

E a vida sigue...

Ainda quando achamos que os nossos problemas não têm solução

Mesmo depois da dor, da decepção e do desânimo

Mesmo quando não sabemos o que será de nós no dia de amanhã

Sigue sem ter compaixão, impassível ao que sintamos ou pensemos. E a vida reclama ação. Não podemos simplesmente ficar olhando-a passar, pois ela nos agarra, nos obriga a caminhar com ela. Nossa vida sigue, dia após dia, e temos que vivé-la com ânimo (ainda quando não o temos), com coragem, com vontade.

A vida sigue, sigue até o nosso fim, e quando um dia olhemos atrás, vamos ver suas marcas no mundo... mas isto só acontecerá se a vivemos de verdade, se a aproveitamos, se a pegamos e a desfrutamos em cada momento, em cada minuto, se sofremos de verdade as nossas dores e gozamos de verdade as nossas alegrias. A vida que deixa marcas é aquela vivida intensamente, relevante num mundo apâtico, interessada em mudar as coisas ao seu redor.

Sim, a vida sigue... estamos vendo-a passar o estamos caminhando com ela?

1 de setembro de 2009

Vida Frágil

Semana passada aconteceu uma tragédia pessoal que me fez pensar no frágeis que somos. Nós sabemos que algum dia vamos morrer. Temos consciência disso, só que nunca esperamos a morte hoje, nem amanhã. Sempre a vemos como algo que virá lá longe. E quando ela vem e leva com ela alguém querido, alguém que pensávamos que viveria até chegar à velhice, alguém que tinha tudo para continuar com vida, vemos que não somos nada, que não somos donos dos nossos dias, que a morte está por perto, e que não vai avisar quando ela vir por nós.

E ai tantas confusões, tantas dúvidas e problemas, tanto caos que formamos dentro de nós mesmos, atormentando os nossos dias sem saber como parar, ficam de lado. E vemos que a vida é mais que problemas, mais que dúvidas, mais que lamentos. E que devemos aproveitar cada minuto dela, porque talvez em cinco minutos já não estejamos neste mundo.

E pensamos em Deus. Pelo menos eu pensei em Deus. No meio de tantas coisas que se falam de Deus, no meio de tantas versões de Deus (Deus caixa de banco, Deus-faz-milagres-quando-eu-quero, etc), no meio de tantas dúvidas e tantas palavras faladas por ai, vi que Deus é, sobretudo, esperança. É bom saber que ele nos cuida. É bom saber que ele nos ama apesar de sermos tão fracos e falhos e ruins. É bom saber que ele está conosco nos momentos mais tristes da nossa vida. E é bom saber que quando morrer, estaremos com ele. Talvez seja algo que nem todos acreditem, mas é o que me da forças, é o que eu acredito. Algo tão simples de pensar, que ainda não entendo porque as pessoas pegam essa esperança e a colocam numa caixa fechada, à qual se tem que chegar por meio de rituais, sacrifícios, coisas faça-não faça. Como se Deus ligasse para as convenções humanas. Como se ele se interessasse no tamanho da saia, do cabelo, da alcinha da blusa. Como se ele classificasse as pessoas pelo seu jeito de vestir e se expressar. Para mim o que Deus vê é o coração. Está escrito na Bíblia, essa Bíblia que é tão usada por ai, tão levada em baixo dos braços de tantos, mas que muitas vezes é usada só de adorno, ou para tirar dela coisas que ela não diz.

Talvez seja bom não pensarmos que vamos morrer. Se vivessemos pensando isso, nada fariamos, viveriamos com medo, medo de morrer. Mas também não podemos deixar de ter consciência da nossa fraqueza. Somos frágeis, devemos nos cuidar, e sobretudo aproveitar ao máximo o que a vida nos ofereça. Mesmo nas dificuldades mais difíceis, onde nos sentimos presos, como se não tivessemos saída, devemos lutar, esperar, sonhar. E saber que Deus está conosco. Isso dá um consolo à alma que é difícil sentir imaginando que estamos sozinhos no mundo. Que bom que Deus cuida da nossa vida frágil!