Historicamente, é muito difícil conceber isto como verdade. Mas simbolicamente esta afirmação é muito importante. Todos descendemos de Adão. Cada ser humano é filho deste casal primordial. Se isto é assim, então todos somos iguais. O que significa que a "superioridade racial" é uma construção cultural, que defende o eu desprezando o outro. Por meio dela é mais nobre ser de uma determinada cor, morar em determinado pais, ter determinados costumes. Os outros são "o povinho", os inferiores, cuja cor, cultura e até pais são nada comparados com os do pessoal "nobre".

Assistindo um documentário percebi quanto há de absurdo no racismo. O documentário falava da Colômbia, meu pais, enfocando as diferentes raças e povos que nele moram. Há colombianos de gerações e séculos. Há colombianos ciganos, japoneses, alemães, árabes, que deixaram suas terras para vir se estabelecer no pais (porque, fala sério, Colômbia é tudo de bom, ne?). Eles se consideram colombianos. E não deixam suas culturas. Até ai tudo bem. Eles são de diversos povos, mas fazem parte do mesmo povo, o colombiano. Porém, começaram a falar em cores. É ridículo, em um pais resultado da colonização e migração de europeus, mistura de indígenas, negros e brancos, ver como pessoas morenas afirmam que são brancas, ainda se atrevendo a afirmar que "branco é a cor nobre". Se corrigindo depois, para não parecer racistas, dizendo que "negrito" também é nobre. Colombiano é um só povo, não importa a cor da pele. Ser humano é um, apesar das diferenças.
O racismo está tecido no DNA da cultura. Está no fundo do coração de muitos que não se consideram racistas. É uma praga que se misturou nos gens há muitos séculos, desde quando foi legitimada pela religião. Aquele velho papo de "Canaã era negro, ele foi amaldiçoado, os negros descendem dele". Quando foi que o europeu começou a se considerar superior, não sei, mas já na Bíblia temos relatos racistas, como quando o Esdras e o Neemias, judeus superiores, expulsam as mulheres moabitas, raça inferior. Os cristãos adotam até hoje estes textos para legitimar sua "exclusividade", como se fossem favoritos de Deus. Os povos, mesmo provenientes de misturas êtnicas, insistem em se separar do resto da humanidade, do resto dos seus próprios conterrâneos, e se declarar superiores. São muitos os exemplos de racismo que vemos nos filmes americanos. As brigas de gangues mexicanas com chinesas, negros com blancos, e toda a humanidade que mora num mesmo pais se destroi, um contra outro, por questões de "raça". O seriado "Todo mundo odeia o Chris" é muito engraçado. E ao mesmo tempo mostra como o racismo está na sociedade, como marginaliza as pessoas, classificando-as por sua cor ou proveniência. O Chris é um drogado, orfão, cheio de irmãos e sei lá mais o que na cabeça da sua professora, só pela cor da sua pele. Ele não tem direito ao ensino superior por ser negro. A professora não tem muitas esperanças de que ele passe dos 17 sem ter filhos ou morrer. E nem a polícia se preocupa quando ele ou sua família sofrem abusos ou perdas. Afinal, eles são simplesmente negros.
Isso é nos Estados Unidos, na Colômbia. E também no Brasil. O passado comum de todos nós, negro e vergonhoso, é a escravidão, que pôs os nativos deste continente, e aqueles que foram arrancados da sua mãe África, sob um jugo pesado que ainda não caiu. Não era só o trabalho forçado, era o rebaixamento. Eles não eram humanos, eram simples animais. Índios e negros não valiam grande coisa, só como bestas de carga e trabalho. Pode ser que agora não haja mais escravidão, mas este rebaixamento na sociedade continua. E o pior é que as próprias etnias se rebaixam. Muitos se sintem inferiores, ou são, por sua vez, racistas contra os "branquelos". E assim a herança de ódio e ressentimento, de separação entre a humanidade continua, se perpetua nas palavras, nas tradições, nas guerras.
Mas Deus no início fez o homem e a mulher. Fez um de cada, um que representa a humanidade. Adão não tinha raça. Ele era humano, e isso bastava. Ele, para mim, simboliza a humanidade unida. Tenha ou não existido históricamente, o que ele representa é algo para ser refletido, algo para ser divulgado. Muitos estão morrendo pelo racismo. Racismo que não é expresso mandando os negros ao fundo o ônibus, como antigamente, mas que ainda existe nos corações e nos pensamentos das pessoas, mesmo sem elas perceberem.
Só quando aceitemos que somos um, e que não há diferenças entre uma pessoa e outra, só quando aceitemos que somos todos parte do mesmo povo, que fazemos parte do mesmo tipo de ser, aquele que é capaz de criar e de destruir coisas, de construir edifícios e desenvolver tecnologias, enfim, que somos todos seres humanos, vamos conseguir ter paz.
Adão é um símbolo, um exemplo do que deveriamos ser. Um.