6 de novembro de 2009

Mundo encantado

A sociedade em que vivemos é uma sociedade fetichista. Isso eu já sabia, só não sabia o nome. Fetichista. Essa palavra vem do português "feitiço". Assim, a sociedade nos enfeitiça. Como? Com um instrumento mágico: a mídia. Porque? Para viver fora da nossa realidade.
Eu não quero falar aqui de desligar computadores e jogar televisões pela janela. Também não estou querendo voltar à era da pedra. Só quero chamar a atenção da nossa consciência, tantas vezes adormecida.

O mundo em que vivemos é um mundo de sonhos. Em cada loja de eletrônicos podemos adquirir um novo jogo de play station, para virar reis ou príncipes procurando tesouros, matando monstros, criando civilizações. Até há jogos para ter uma vida normal, com cachorros e filhos. Só que no jogo podemos evadir as nossas realidades, os problemas se solucionam com um click. Na internet viajamos por sites do mundo todo, fazemos amigos sem sair de casa, jogamos, compramos. A internet é uma ferramenta útil para a comunicação e para aprender. O problema surge quando deixamos de lado a vida real para passar cada vez mais tempo frente à tela. Dia após dia estamos virando virtuais. Nossa vida está deixando de ser real. Os amigos que temos são perfis de sites da internet. Ou quadradinhos à esquerda da tela, quando falamos pelo msn. Na internet podemos ser quem quisermos, esquecendo nossas vidinhas chatas. Nos livramos da nossa realidade.

Mas além da internet, além dos jogos, a caixinha de encantos preferida de todos é a televisão. Pode ser grande ou pequena, de tela plana, de plasma. O importante é ter uma. Ontem aprendi que a imagem que vemos na televisão nunca é completa. A tela emite na realidade linhas, que se sucedem em 3.3 segundos. A imagem é completada no cérebro. O que isto tem a ver? Tem a ver que o esforço que o cérebro faz para completar as imagens uma após a outra é muito grande. Tanto que ele fica ocupado nisso, e a parte reflexiva dele fica "desligada". De modo que engolimos imagens e imagens sem ter tempo para refletir sobre elas. Como isto nos afeta?

Depois de 50 minutos assistindo TV o cérebro está funcionando no automático. Rolamos em uma "inconsciência" absorvente.

Além da parte "técnica" do negócio, temos o conteúdo da TV. Cores brilhantes. Musicas, histórias cativantes. Tudo muito bonito. E sobretudo, mágico. Na televisão tudo pode acontecer. Os sonhos são realidade. As escovas de dentes falam, os carros andam sós, ou viram robôs, é possível ganhar casas com "uma raspadinha". E nós ficamos envolvidos pelo encanto. O fetiche faz efeito. A TV é mestra em tirar-nos da própria realidade. Quando assistimos novelas vemos que tudo sai bem, que os máus vão à cadeia, que os pobres tem carros chiques e terminam ricos. E o encanto não acaba ai. Desenvolvemos rituais. A TV é, para alguns, uma espécie de religião. Não tem como deixar de ver a novela, porque é terrível. Não posso ir nem ao banheiro, está passando o programa que eu mais gosto...

No meio de tudo, esquecemos de nossos problemas. Até no jornal que mostra os horrores da vida diária, tudo parece ficção. As tragédias viram espetáculo, e deixam de nos importar. Tanto, é uma entre tantas... o que importa é o show.

Uma das coisas que de verdade odeio na TV, e acho que não deveria existir, é a denominada "programação evangélica". É falsa. De evangélica não tem nada. O que se vê é mais um feitiço. Milhares de pessoas comprando "óleos da unção", rosas mágicas, sabonetes que tiram pecados, que vão aos "templos" para que as toalhas com que tomam banho sejam "abençoadas, claro, pagando um pequeno preço antes... e não percebem que estão sendo manipuladas. O que era sagrado virou palavras vazias na boca de muitos, Deus é mais uma das mercadorias oferecidas em ditos programas, feitos por pessoas que, na sua maioria, o único que pretendem é encher o bolso às custas da ignorância dos outros. E estes outros, presos nos seus problemas, cheios de dificuldades, vêm nestes programas enganosos a única solução a tanto sofrimento. Só que:

1. A mensagem é errada. O sofrimento faz parte da vida humana, uma vida sem sofrimento não existe.

2. Os "pregadores" falam em bênçãos e prosperidade, como se Deus nos estivesse devendo alguma coisa. Para alcançar estas "bênçãos" devemos ter "fé" (e pagar o dízimo ou ser patrocinador, é claro). Só que esta fé não é nem sequer posta em Deus, mas nos objetos mágicos que os enganadores oferecem, desde martelos sagrados até canetas da prosperidade, passando por águas, pedras, alianças, e tudo o mais absurdo que se possa imaginar. Mais absurdo e desconcertante é ver que as pessoas acreditam em tudo isso.

3. As tais bênçãos e milagres são paliativos, e causam um mal maior do que o bem. Porque a pessoa acha que vai la, ou assiste o tal programa na esperança de ter seus problemas resolvidos para sempre. Só que novos problemas vão surgir. A vida não é tão simples assim e os óleos milagrosos não resolvem todas as complicações do dia-a-dia. E ai, ou a pessoa vai comprar outra peça mágica para enfrentar o novo problema, ou então vai deixar de acreditar. E como os enganadores estão oferecendo toda essa magia em nome de Deus, elas não deixam de acreditar nos safados que as enganaram, mas em Deus.

4. Em fim, os "pregadores" fazem uso de teologias (se se pode chamar a isso de teologia) simples e mal feitas, e quando se encontram sem palavras para solucionar de verdade um problema, colocam a culpa no ouvinte/assistente. Isto eu vi com meus olhos e ouvi com meus ouvidos. E fiquei em choque. Num desses programas da tarde, repetido em dois ou três canais por essas horas, eu vi um pedaço do programa, no qual os fiéis escrevem ao"missionário" para que ele os ajude a resolver os problemas. Bom, a mulher escreveu que o seu filho a maltratava, que estava sofrendo muito. O que fazer? Resposta do "missionário": Você não é uma autêntica cristã, não conhece o Deus que diz conhecer, porque se o conhecesse não sofreria. Você tem que se arrepender(!) e procurar Deus e "tomar posse da bênção" (aqui ele começou a recitar versículos bíblicos sem nexo um com o outro, todos fora do contexto).

É absurdo. Eles são tão descarados que nem importa ajudar os outros. A mulher sofrendo, desesperada, recebe uma resposta que a deixa mais sem moral ainda, afundando-a mais no poço. Se não tem resposta fácil, então não tem como ajudar. A culpa é dos outros.

Este sistema macabro de manipulação encanta milhares de seres, já enfeitiçados no dia-a-dia com todas as outras coisas que se passam na TV e que acontecem ao seu redor. A sociedade em que vivemos é experta em maquilar os problemas, em ocultar a realidade. Vivemos num mundo onde cada vez mais pessoas estão sendo convertidas em fantoches, alheias ao que lhes sucede, incapazes de reagir contra as situações adversas. E agora, para uma maior alienação, embebidos de magia barata, de remédios falsos, caros, vazios. Porque o "anel da prosperidade" tem seu preço. E não é pouco. São roubadas as vidas, as esperanças das pessoas. E pior ainda, lhes é roubada a oportunidade de conhecer o Deus real, que as ama e sustenta no meio da mais cruel dor.

E nós, cristãos, o que estamos fazendo? Nós que conhecemos mais da Palavra, que vivemos, muitas vezes, num contexto de ritualismo sem sentido, devemos deixar o feitiço! Devemos abrir os olhos, e ver as pessoas que estão sendo presas por este sistema falso e opressor! Não devemos deixar que a alienação tome conta também de nós, fazendo-nos seres apáticos, sem forças nem vontade de nos opor ao sistema dominante. Se as pessoas estão sendo enganadas pelos truques mágicos que aparecem a todo momento na Tv (como passar o palitó em cima de uma fila de "endemoninhados" e outras besteiras do tipo) é também pelo nosso letargo. Se nós sabemos, devemos ensinar. O único caminho para que as pessoas deixem de ser ignorantes é que elas aprendam! E se nós não lhes ensinamos, quem o fará? Os magos-pastores da TV? A sociedade fetichista?

Um comentário:

Thayra Azevedo ♥ disse...

Primeiro quero retribuir sua vista ao meu blog, seja sempre bem vinda!!
Resolvi ler esse post porque acima de tudo 'trabalho' e 'estudo' um pouco dessa mídia. Me formo em jornalismo ano que vem e depois que entrei na faculdade, meus olhos se abriram para muitas coisas. Recentemente terminei uma pesquisa sobre o discurso jornalístico do JN, sobre questões ambientais e pretendo fazer um sobre a influência da mídia na educação infantil. Falar dos meios de comunicação, sem mencionar a tv, é a mesma coisa que nada, então concordo com você, a TV é uma grande vilã, a internet, os celulares também. Claro que tem lado bom, mas na maioria das vezes os 'poderosos' que sabem da capacidade dessas ferramentas a usam para o que querem, isso faz com que nossa sociedade responda a vontade deles sem notar. Nos tornamos indivíduos blasés, robóticos e sem senso crítico. Isso é resultado e resulta em uma sociedade de massa pouco pensante e pobre, tanto financeiramente como intelectualmente. Mas é possível mudar. Eu creio!